terça-feira, 23 de setembro de 2008

Olhos que não enxergam



A cegueira espiritual é semelhante à tentativa de discernir a tridimensionalidade do mundo a partir de uma fotografia

Russell Shedd

“Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: ‘Mostra-nos o Pai’?” (Jo 14.9, NVI).

É de conhecimento comum que os descrentes sofrem de uma cegueira espiritual induzida pelo “deus deste mundo” (2Co 4.4). Mas essas palavras de Jesus revelam a possibilidade de estar com Cristo sem conhecê-lo. Deve ser comparável ao galho na Videira (Cristo) que não produz fruto; conseqüentemente, sofre a desgraça da remoção e ser lançado no fogo.Os deficientes visuais sabem que são distintos dos outros que gozam da visão boa. Os tristes seres humanos, aflitos com cegueira física, reconhecem seu isolamento num mundo escuro. Podem tentar imaginar este belíssimo mundo, invisível para eles, exuberante e com vivas cores, vistas empolgantes de montanhas, rios, oceanos e rostos expressivos. Temos pena dos que nunca tiveram a oportunidade de se deliciar com a vista perfeita. Mas deficiência física é muito menos sério do que a cegueira espiritual. A escuridão condena todos os que não têm fé a concluir que o mundo físico é tudo que há. A glória do Criador se percebe pela fé, de modo que todos os sinais da glória e da majestade do seu poder e inteligência inseridos neste mundo se perdem na cegueira do materialista.

C.S. Lewis comparou a tentativa de comunicar a existência do mundo espiritual a um incrédulo a uma criatura que em toda sua vida experimentou apenas duas dimensões. Alguém que tenta explicar as três dimensões do mundo real por uma fotografia acha que o triângulo é um caminho e outro triângulo, uma montanha. O indivíduo limitado às duas dimensões fracassa completamente ao tentar compreender a realidade que a fotografia representa. Como um cão que fareja o dedo da pessoa apontando um suculento pedaço de carne, em vez de virar a cabeça, o homem preso à compreensão materialista do mundo acha que toda essa realidade de Deus, salvação e Céu não passam de imaginação fértil do crente.Mais complexo é o caso do cristão com olhos abertos, mas incapaz de ver. Paulo ora pelos efésios, rogando a Deus pela iluminação dos olhos a fim de que eles “conheçam a esperança à qual ele os chamou”. Escreveu John H. Newman: “Abençoados aqueles que finalmente verão aquilo que olho mortal não tem visto e somente a fé goza. Aquelas coisas maravilhosas do novo mundo já existem agora como serão então. São imortais e eternos; e as almas que então serão feitos conscientes delas, as verão em sua tranqüilidade e majestade aonde nunca chegaram. Mas quem é capaz de expressar a surpresa e o arrebatamento que descerão sobre aqueles que finalmente os conhecerão pela primeira vez? Quem pode imaginar, por uma extensão da imaginação, os sentimentos daqueles que, tendo morrido na fé, acordam para júbilo? A vida, então iniciada, durará para sempre; porém, se a memória for para nós então o que é para nós agora, aquele dia será um dia para ser muito celebrado para o Senhor durante todas as eras da eternidade” (Dia 153, Diary of Readings, ed. J.Ballie, 1955).

A falta de ver essa gloriosa realidade escatológica torna esta vida uma cena de competição, ambição e desespero. Crentes se desviam por falta de visão do futuro que não vêem e nem imaginam. Faltando iluminação nos olhos espirituais, ficam presos ao mundo material temporário. Transferem os valores do Céu para a Terra e interpretam a prosperidade em termos financeiros e passageiros. Seguir a recomendação de Jesus parece loucura. “Não acumulem para vocês tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam”, em vez de acumular tesouros nos céus. Isto faz sentido somente para quem tem uma visão clara da realidade além deste mundo material.A Deus toda a glória!

O Cristianismo é comunidade.



Virtudes cristãs são as que dominam as relações humanas e lhes dão a tônica. Vejamos:


a) Misericórdia – Como crentes precisamos manifestar ternos afetos de misericórdia uns com os outros (Fp 2:1). A violência que atrai tanto os meios de comunicação (jornais e filmes) tende a criar uma indiferença emocional frente à miséria alheia. O mundo antigo estava acostumado com o sacrifício dos animais, dos aleijados, das crianças. O Cristianismo trouxe ao mundo a misericórdia. Jesus sempre demonstrou compaixão com as pessoas que sofriam (Mt 9:36; Jo 11:35; Lc 7:13). Exemplo: José do Egito em relação aos seus irmãos (Gn 43:30; 45:1-4).


b) Bondade – Crestotes é a virtude do homem para quem o bem de seu próximo é tão caro como o próprio. Josefo usou essa palavra para descrever Isaque que cavava os poços e não entrava em litígio por eles. Um dos exemplos mais bonitos de bondade na Bíblia é encontrado na atitude de Davi com Mifibosete, o filho aleijado de Saul. Exemplo: O Bom Samaritano (Lc 10:25-37), Barnabé (At 4:36,37).


c) Humildade – É não ter um alto conceito de si mesmo (Rm 12:3). Uma pessoa humilde está pronto a reconhecer o valor dos outros e a reconhecer os próprios erros.É honrar os outros mais do que a si mesmo (Fp 2:3-4). Exemplo: O centurião “Não sou digno de que entres em minha casa” (Lc 7:6).


d) Mansidão – Mansidão não é fraqueza, mas poder sob controle. Essa palavra era usada para um cavalo amansado. Mansidão é ter domínio próprio. Trata-se de uma disposição de ceder os direitos. É a pessoa que está pronta a sofrer danos em vez causar danos. Exemplo: Moisés (Nm 12:3).


e) Longanimidade – A palavra macrothimia significa o espírito que jamais perde a paciência para com o próximo. Os insultos e os maus tratos jamais o empurram para a amargura. É suportar as ofensas sem retaliar. Exemplo: Oséias.


f) Suporte fraternal – Não significa aguentar estoicamente o outro, mas servir para ele de escora, de suporte, levando a sua carga. Suportar não é simplesmente tolerar, mas servir de suporte. Somos dependentes. Precisamos uns dos outros. Somos membros do mesmo corpo.g) Perdão – Não basta apenas não retaliar, é preciso perdoar. Devemos perdoar, porque fomos perdoados (v. 13). O perdão deve ser recíproco, completo e restaurador como o perdão de Deus.


g) Amor – As outras virtudes podem existir sem o amor, mas o amor não pode existir sem as outras virtudes. É o amor que coloca todas as outras virtudes juntas. O amor é o lubrificante que permite as outras virtudes funcionar suavemente. O amor é a solução divina para os nossos problemas.

1) O que é a ortodoxia sem amor?
Legalismo frio e repulsivo;
2) O que é a santidade sem amor?
Farisaismo reprovado por Jesus;
3) O que beneficência sem amor?
Exibicionismo egoísta;
4) O que é culto sem amor?
Formalismo abominável aos olhos de Deus;
5) O que é pregação sem amor?
Apenas um discurso vazio.


Hernandes Dias Lopes

Falta de Amor?

Por Augustus Nicodemus Lopes

Tornou-se comum evangélicos acusarem de falta de amor outros evangélicos que tomam posicionamentos firmes em questões éticas, doutrinárias e práticas. A discussão, o confronto e a exposição das posições de outros são consideradas como falta de amor.Essa acusação reflete o sentimento pluralista e relativista que permeia a mentalidade evangélica de hoje e que considera todo confronto teológico como ofensivo. Nossa época perdeu a virilidade teológica. Vivemos dias de frouxidão, onde proliferam os que tremem em frêmito diante de uma peleja teológica de maior monta, e saem gritando histéricos, "linchamento, linchamento"!Pergunto-me se a Reforma protestante teria acontecido se Lutero e os demais companheiros pensassem dessa forma.É possível que no calor de uma argumentação, durante um debate, saiam palavras ou frases que poderiam ter sido ditas ou escritas de uma outra forma. Aprendi com meu mentor espiritual, Pr. Francisco Leonardo Schalkwijk, que a sabedoria reside em conhecer "o tempo e o modo" de dizer as coisas (Eclesiastes 8.5). Todos nós já experimentamos a frustração de descobrir que nem sempre conseguimos dizer as coisas da melhor maneira.Todavia, não posso aceitar que seja falta de amor confrontar irmãos que entendemos não estarem andando na verdade, assim como Paulo confrontou Pedro, quando este deixou de andar de acordo com a verdade do Evangelho (Gálatas 2:11). Muitos vão dizer que essa atitude é arrogante e que ninguém é dono da verdade. Outros, contudo, entenderão que faz parte do chamamento bíblico examinar todas as coisas, reter o que é bom e rejeitar o que for falso, errado e injusto.Considerar como falta de amor o discordar dos erros de alguém é desconhecer a natureza do amor bíblico. Amor e verdade andam juntos. Oséias reclamou que não havia nem amor nem verdade nos habitantes da terra em sua época (Oséias 4.1). Paulo pediu que os efésios seguissem a verdade em amor (Efésios 4.15) e aos tessalonicenses denunciou os que não recebiam o amor da verdade para serem salvos (2Tessalonicenses 2.10). Pedro afirma que a obediência à verdade purifica a alma e leva ao amor não fingido (1Pedro 1.22). João deseja que a verdade e o amor do Pai estejam com seus leitores (2João 3). Querer que a verdade predomine e lutar por isso não pode ser confundido com falta de amor para com os que ensinam o erro.Apelar para o amor sempre encontra eco no coração dos evangélicos, mas falar de amor não é garantia de espiritualidade e de verdade. Tem quem se gabe de amar e que não leva uma vida reta diante de Deus. O profeta Ezequiel enfrentou um grupo desses. "... com a boca, professam muito amor, mas o coração só ambiciona lucro" (Ezequiel 33.31). O que ocorre é que às vezes a ênfase ao amor é simplesmente uma capa para acobertar uma conduta imoral ou irregular diante de Deus. Paulo criticou isso nos crentes de Corinto, que se gabavam de ser uma igreja espiritual, amorosa, ao mesmo tempo em que toleravam imoralidades em seu meio. "... contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? Não é boa a vossa jactância..." (1Co 5.2,6). Tratava-se de um jovem "incluído" que dormia com sua madrasta. O discurso das igrejas que hoje toleram todo tipo de conduta irregular em seus membros é exatamente esse, de que são igrejas amorosas, que não condenam nem excluem ninguém.Ninguém na Bíblia falou mais de amor do que o apóstolo João, conhecido por esse motivo como o "apóstolo do amor" (a figura ao lado é uma representação antiquíssima de João) Ele disse que amava os crentes "na verdade" (2João 1; 3João 1), isto é, porque eles andavam na verdade. "Verdade" nas cartas de João tem um componente teológico e doutrinário. É o Evangelho em sua plenitude. João ama seus leitores porque eles, junto com o apóstolo, conhecem a verdade e andam nela. A verdade é a base do verdadeiro amor cristão. Nós amamos os irmãos porque professamos a mesma verdade sobre Deus e Cristo. Todavia, eis o que o apóstolo do amor proferiu contra mestres e líderes evangélicos que haviam se desviado do caminho da verdade:- "Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos" (1Jo 2.19).- "Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho" (1Jo 2.22).- "Aquele que pratica o pecado procede do diabo" (1Jo 3.8).- "Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo" (1Jo 3.10).- "todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo" (1Jo 4.3).- "... muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo... Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus... Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más" (2Jo 7-1).Poderíamos acusar João de falta de amor pela firmeza com que ele resiste ao erro teológico?O amor que é cobrado pelos evangélicos sentimentalistas acaba se tornando a postura de quem não tem convicções. O amor bíblico disciplina, corrige, repreende, diz a verdade. E quando se vê diante do erro seguido de arrependimento e da contrição, perdoa, esquece, tolera, suporta. O Senhor Jesus, ao perdoar a mulher adúltera, acrescentou "vai e não peques mais". O amor perdoa, mas cobra retidão. O Senhor pediu ao Pai que perdoasse seus algozes, que não sabiam o que faziam; todavia, durante a semana que antecedeu seu martírio não deixou de censurá-los, chamando-os de hipócritas, raça de víboras e filhos do inferno. Essa separação entre amor e verdade feita por alguns evangélicos torna o amor num mero sentimentalismo vazio.O amor, segundo Paulo, "é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta" (1Coríntios 13.4-7). Percebe-se que Paulo não está falando de um sentimento geral de inclusão e tolerância, mas de uma atitude decisiva em favor da verdade, do bem e da retidão. Não é de admirar que o autor desse "hino ao amor" pronunciou um anátema aos que pregam outro Evangelho (Gálatas 1). Destaco da descrição de Paulo a frase "O amor regozija-se com a verdade" (1Coríntios 13.6b). A idéia de "aprovar" está presente na frase. O amor aprova alegremente a verdade. Ele se regozija quando a verdade de Deus triunfa, quando Cristo está sendo glorificado e a igreja edificada.Portanto, o amor cobrado pelos que se ofendem com a defesa da fé, a exposição do erro e o confronto da inverdade não é o amor bíblico. Falta de amor para com as pessoas seria deixar que elas continuassem a ser enganadas sem ao menos tentar mostrar o outro lado da questão.